Desabafo de um Pastor Evangélico:
"Estou Cansado!"
Ricardo Gondim
Cansei! Entendo que o mundo evangélico não admite que um pastor
confesse o seu cansaço. Conheço as várias passagens da Bíblia que
prometem restaurar os trôpegos. Compreendo que o profeta Isaías ensina
que Deus restaura as forças do que não tem nenhum vigor. Também estou
informado de que Jesus dá alívio para os cansados. Por isso, já me
preparo para as censuras dos que se escandalizarem com a minha confissão
e me considerarem um derrotista. Contudo, não consigo dissimular: eu me
acho exausto.
Não, não me afadiguei com Deus ou com minha
vocação. Continuo entusiasmado pelo que faço; amo o meu Deus, bem como
minha família e amigos. Permaneço esperançoso. Minha fadiga nasce de
outras fontes.
Canso com o discurso repetitivo e absurdo dos
que mercadejam a Palavra de Deus. Já não agüento mais que se usem
versículos tirados do Antigo Testamento e que se aplicavam a Israel para
vender ilusões aos que lotam as igrejas em busca de alívio. Essa
possibilidade mágica de reverter uma realidade cruel me deixa arrasado
porque sei que é uma propaganda enganosa. Cansei com os programas de
rádio em que os pastores não anunciam mais os conteúdos do evangelho;
gastam o tempo alardeando as virtudes de suas próprias instituições.
Causa tédio tomar conhecimento das infinitas campanhas e correntes de
oração; todas visando exclusivamente encher os seus templos. Considero
os amuletos evangélicos horríveis. Cansei de ter de explicar que há uma
diferença brutal entre a fé bíblica e as crendices supersticiosas.
Canso com a leitura simplista que algumas correntes evangélicas fazem
da realidade. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é
vista como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção
social perversa. Não consideram os séculos de preconceitos nem que
existe uma economia perversa privilegiando as elites há séculos. Não
agüento mais cultos de amarrar demônios ou de desfazer as maldições que
pairam sobre o Brasil e o mundo.
Canso com a repetição
enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza poética. Sinto pena
dos teólogos que se contentam em reproduzir o que outros escreveram há
séculos. Presos às molduras de suas escolas teológicas, não conseguem
admitir que haja outros ângulos de leitura das Escrituras. Convivem com
uma teologia pronta. Não enxergam sua pobreza porque acreditam que basta
aprofundarem um conhecimento “científico” da Bíblia e desvendarão os
mistérios de Deus. A aridez fundamentalista exaure as minhas forças.
Canso com os estereótipos pentecostais. Como é doloroso observá-los:
sem uma visitação nova do Espírito Santo, buscam criar ambientes
espirituais com gritos e manifestações emocionais. Não há nada mais
desolador que um culto pentecostal com uma coreografia preservada, mas
sem vitalidade espiritual. Cansei, inclusive, de ouvir piadas contadas
pelos próprios pentecostais sobre os dons espirituais.
Cansei
de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vêm ao Brasil para
soprar sobre as multidões. Fico abatido com eles porque sei que provocam
que as pessoas “caiam sob o poder de Deus” para tirar fotografias ou
gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas em seus países de
origem.
Canso com as perguntas que me fazem sobre a conduta
cristã e o legalismo. Recebo todos os dias várias mensagens eletrônicas
de gente me perguntando se pode beber vinho, usar “piercing”, fazer
tatuagem, se tratar com acupuntura etc., etc. A lista é enorme e parece
inexaurível. Canso com essa mentalidade pequena, que não sai das
questiúnculas, que não concebe um exercício religioso mais nobre; que
não pensa em grandes temas. Canso com gente que precisa de cabrestos,
que não sabe ser livre e não consegue caminhar com princípios. Acho
intolerável conviver com aqueles que se acomodam com uma existência sob o
domínio da lei e não do amor.
Canso com os livros evangélicos
traduzidos para o português. Não tanto pelas traduções mal feitas,
tampouco pelos exemplos tirados do golfe ou do basebol, que nada têm a
ver com a nossa realidade. Canso com os pacotes prontos e com o
pragmatismo. Já não agüento mais livros com dez leis ou vinte e um
passos para qualquer coisa. Não consigo entender como uma igreja tão
vibrante como a brasileira precisa copiar os exemplos lá do norte, onde a
abundância é tanta que os profetas denunciam o pecado da complacência
entre os crentes. Cansei de ter de opinar se concordo ou não com um novo
modelo de crescimento de igreja copiado e que vem sendo adotado no
Brasil.
Canso com a falta de beleza artística dos evangélicos.
Há pouco compareci a um show de música evangélica só para sair arrasado.
A musicalidade era medíocre, a poesia sofrível e, pior, percebia-se o
interesse comercial por trás do evento. Quão diferente do dia em que me
sentei na Sala São Paulo para ouvir a música que Johann Sebastian Bach
(1685-1750) compôs sobre os últimos capítulos do Evangelho de São João.
Sob a batuta do maestro, subimos o Gólgota. A sala se encheu de um
encanto mágico já nos primeiros acordes; fechei os olhos e me senti em
um templo. O maestro era um sacerdote e nós, a platéia, uma assembléia
de adoradores. Não consegui conter minhas lágrimas nos movimentos dos
violinos, dos oboés e das trompas. Aquela beleza não era deste mundo.
Envoltos em mistério, transcendíamos a mecânica da vida e nos
transportávamos para onde Deus habita. Minhas lágrimas naquele momento
também vinham com pesar pelo distanciamento estético da atual cultura
evangélica, contente com tão pouca beleza.
Canso de explicar
que nem todos os pastores são gananciosos e que as igrejas não existem
para enriquecer sua liderança. Cansei de ter de dar satisfações todas as
vezes que faço qualquer negócio em nome da igreja. Tenho de provar que
nossa igreja não tem título protestado em cartório, que não é rica, e
que vivemos com um orçamento apertado. Não há nada mais desgastante do
que ser obrigado a explanar para parentes ou amigos não evangélicos que
aquele último escândalo do jornal não representa a grande maioria dos
pastores que vivem dignamente.
Canso com as vaidades
religiosas. É fatigante observar os líderes que adoram cargos, posições e
títulos. Desdenho os conchavos políticos que possibilitam eleições para
os altos escalões denominacionais. Cansei com as vaidades acadêmicas e
com os mestrados e doutorados que apenas enriquecem os currículos e
geram uma soberba tola. Não suporto ouvir que mais um se auto-intitulou
apóstolo.
Sei que estou cansado, entretanto, não permitirei que
o meu cansaço me torne um cínico. Decidi lutar para não atrofiar o meu
coração.
Por isso, opto por não participar de uma máquina
religiosa que fabrica ícones. Não brigarei pelos primeiros lugares nas
festas solenes patrocinadas por gente importante. Jamais oferecerei meu
nome para compor a lista dos preletores de qualquer conferência. Abro
mão de querer adornar meu nome com títulos de qualquer espécie. Não
desejo ganhar aplausos de auditórios famosos.
Buscarei o
convívio dos pequenos grupos, priorizarei fazer minhas refeições com os
amigos mais queridos. Meu refúgio será ao lado de pessoas simples, pois
quero aprender a valorizar os momentos despretensiosos da vida. Lerei
mais poesia para entender a alma humana, mais romances para continuar
sonhando e muita boa música para tornar a vida mais bonita. Desejo
meditar outras vezes diante do pôr-do-sol para, em silêncio, agradecer a
Deus por sua fidelidade. Quero voltar a orar no secreto do meu quarto e
a ler as Escrituras como uma carta de amor de meu Pai.
Pode
ser que outros estejam tão cansados quanto eu. Se é o seu caso,
convido-o então a mudar a sua agenda; romper com as estruturas
religiosas que sugam suas energias; voltar ao primeiro amor. Jesus
afirmou que não adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda há
tempo de salvar a nossa.
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